Neste mês de agosto continuamos a reflexão sobre a Fratelli Tutti. Diz o Santo Padre: A caridade política expressa-se também na abertura a todos. Sobretudo o governante é chamado a renúncias que tornem possível o encontro, procurando a convergência pelo menos nalguns temas. Saber escutar o ponto de vista do outro, facilitando um espaço a todos. Com renúncias e paciência, um governante pode ajudar a criar aquele poliedro bom onde todos encontram um lugar. Nisto, não resultam as negociações de tipo econômico; é algo mais: é um intercâmbio de dons a favor do bem comum. Parece uma utopia ingênua, mas não podemos renunciar a este sublime objetivo.
Vendo que todo o tipo de intolerância fundamentalista danifica as relações entre pessoas, grupos e povos, comprometamo-nos a viver e ensinar o valor do respeito, o amor capaz de aceitar as várias diferenças, a prioridade da dignidade de todo o ser humano sobre quaisquer ideias, sentimentos, atividades e até pecados que possa ter. Enquanto os fanatismos, as lógicas fechadas e a fragmentação social e cultural proliferam na sociedade atual, um bom político dá o primeiro passo para que se ouçam as diferentes vozes. É verdade que as diferenças geram conflitos, mas a uniformidade gera asfixia e neutraliza-nos culturalmente. Não nos resignemos a viver fechados num fragmento da realidade.
Neste contexto, gostaria de lembrar que eu juntamente com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb pedimos aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se comprometer seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da paz; para intervir, o mais breve possível, a fim de se impedir o derramamento de sangue inocente. E quando uma determinada política semeia o ódio e o medo em relação a outras nações em nome do bem do próprio país, é necessário estar alerta, reagir a tempo e corrigir imediatamente o rumo.
Ao mesmo tempo que realiza esta atividade incansável, cada político permanece um ser humano, chamado a viver o amor nas suas relações interpessoais diárias. É uma pessoa e precisa de se dar conta que o mundo moderno, devido à sua perfeição técnica, tende a racionalizar cada vez mais a satisfação dos desejos humanos, classificados e distribuídos entre vários serviços. Um homem é chamado cada vez menos pelo seu próprio nome, cada vez menos será tratado como pessoa este ser, único no mundo, que tem o seu próprio coração, os seus sofrimentos, problemas e alegrias e a sua própria família. Só se conhecerão as suas doenças para tratá-las, a sua falta de dinheiro para fornecê-lo, a sua necessidade de casa para alojá-lo, o seu desejo de lazer e de distrações para lhes organizar. E, contudo, amar o mais insignificante dos seres humanos como a um irmão, como se existisse apenas ele no mundo, não é perder tempo.
Na política, há lugar também para amar com ternura. Em que consiste a ternura? No amor, que se torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos. (…) A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes. No meio da atividade política, os mais pequeninos, frágeis e pobres devem enternecer-nos: eles têm o “direito” de arrebatar a nossa alma, o nosso coração. Sim, eles são nossos irmãos e, como tais, devemos amá-los e tratá-los.
Isto ajuda-nos a reconhecer que nem sempre se trata de obter grandes resultados, que às vezes não são possíveis. Na atividade política, é preciso recordar-se de que independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes! Os grandes objetivos, sonhados nas estratégias, só em parte se alcançam. Mas, sem olhar a isso, quem ama e deixou de entender a política como uma mera busca de poder está seguro de que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor, não se perde nenhuma das suas preocupações sinceras com os outros, não se perde nenhum ato de amor a Deus, não se perde nenhuma das suas generosas fadigas, não se perde nenhuma dolorosa paciência. Tudo isto circula pelo mundo como uma força de vida.
Por outro lado, é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia. Ao amor, a boa política une a esperança, a confiança nas reservas de bem que, apesar de tudo, existem no coração do povo. Por isso, a vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais.
Vista desta maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes formas de maquiagem mediática. Tudo isto semeia apenas divisão, inimizade e um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum. Ao pensar no futuro, alguns dias as perguntas devem ser: Para quê? Para onde estou realmente apontando? Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim? As perguntas, talvez dolorosas, serão: Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado? (cf. FT 190-197).
E assim concluímos, neste espaço, a reflexão sobre o capítulo V da Fratelli Tutti.
Dom Moacir Silva
Arcebispo Metropolitano
Boletim Informativo Igreja-Hoje
Agosto/2022