50 anos depois Jardinópolis faz memória a Monsenhor João Lauriano, o “Cirineu dos Bispos”
A paróquia Nossa Senhora Aparecida de Jardinópolis está celebrando o Jubileu dos 125 anos de ereção canônica, expedida pelo Bispado de São Paulo em 21 de dezembro de 1898. E algo curioso: a sede do Bispado paulista estava “vacante”, com a transferência de dom Joaquim Arcoverde para o Rio de Janeiro, em 1897. Mas, seu sucessor, dom Antônio Cândido Alvarenga, que estava no Maranhão, já havia sido nomeado para São Paulo desde 28 de novembro de 1898. No entanto, com a saúde bastante debilitada, conseguiu tomar posse somente em 25 de março de 1899.
Além de Jardinópolis, várias paróquias foram erigidas oficialmente como matrizes pelas mãos do cônego Ezechias Galvão da Fontoura, vigário capitular. Para se ter uma ideia, somente no ano de 1898, no território da arquidiocese até então, foram criadas as paróquias Santa Cruz da Estrela (26 de fevereiro), São José de Cravinhos (18 de março), Nossa Senhora das Dores de Itobi (13 de abril), Santa Rita de Cássia dos Coqueiros (13 de abril), Bom Jesus de Bonfim Paulista (20 de dezembro).
E diante de tamanha efeméride, não poderíamos nos esquecer daquele que, em Jardinópolis, era chamado carinhosamente de “Padre João”, nosso querido Mons. Dr. João Lauriano, que hoje completa 50 anos de seu falecimento. O qualificativo de Cirineu dos Bispos de Ribeirão Preto se deve ao fato do monsenhor ter assumido a missão como Vigário-Geral na arquidiocese por longas décadas, de 1927 até 1973! Dom Alberto José Gonçalves, primeiro bispo diocesano, deixou claro na sua última carta pastoral, de 17 de abril de 1938: “É de justiça destacar o nome de meu Vigário Geral, Monsenhor Dr. João Lauriano que há anos me vem auxiliando na administração da Diocese com solicitude e inteligência, procurando aliviar a minha Cruz que é muito pesada”. Mas a referência direta veio da boca de dom Luís do Amaral Mousinho, primeiro arcebispo metropolitano, quando chegou à diocese, no ato de posse, em 1952.
Monsenhor Lauriano nasceu em Mococa em 13 de março de 1882. Foi ordenado presbítero no dia 28 de outubro de 1908, na capela do Colégio Pio Latino-Americano, pelo cardeal dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Logo depois retornou ao Brasil e, em 1910 dom Alberto nomeou-o coadjutor da paróquia de Nossa Senhora Aparecida de Sertãozinho. Em 1911, o mesmo Dom Alberto designou-o secretário do bispado, em Ribeirão Preto. E como todo jovem padre, era seu desejo ter uma paróquia para pastorear. O bispo, no entanto, disse que ainda não era possível naquele momento e, por isso, no final de janeiro de 1914, enviou-o ao arcebispo de São Paulo, dom Duarte Leopoldo e Silva, para que temporariamente colaborasse no serviço paroquial, ainda que Lauriano quisesse ficar no interior.
Mas Deus ouviu suas preces e, dois meses depois, dom Alberto chamava-o porque pe. Henrique Pellegrini, diante de inúmeros escândalos financeiros na cidade de Jardinópolis, havia abandonado a paróquia e acabou fugindo para a Europa. O que o povo mais precisava naquele momento era do carinho de um pastor. Em 15 de março pe. Lauriano ganhou sua primeira paróquia com a função de pároco, na crescente Jardinópolis, próxima à sede do Bispado.
E logo que chegou, foi ganhando o carinho e apreço dos católicos. A população naquele período contava com cerca de 15 mil pessoas e, pelo menos, 95% da cidade era formada por católicos. Aos poucos, pe. João precisou organizar uma paróquia ainda jovem, mas desprovida de patrimônios: a Igreja Matriz mais parecia uma capela rural e a casa paroquial estava ocupada pelas Irmãs Franciscanas do Egypto que, acolhidas pelo pároco anterior, montaram uma escola infantil que funcionava nas dependências da casa. Havia também a questão da construção da Santa Casa de Misericórdia, que estava parada há alguns anos e precisava de uma solução. Além disso, acabava de nascer uma devoção popular que pouco a pouco iria se tornar uma pedra de tropeço no trabalho pastoral do pe. João: a senhora Juventina e a devoção ao Bom Jesus.
Nos 13 anos em que viveu seu paroquiato, a cidade viu pouco a pouco transformar-se ricamente pelo zêlo pastoral do sacerdote. O que certamente nunca sairá do coração dos jardinopolenses é o presente que concretizou e que hoje é o principal cartão postal da cidade: a belíssima Igreja Matriz que, iniciada em 1917, recebeu as bênçãos de dom Alberto em 1926, quase dez anos! Não foi fácil lidar com todos estes projetos porque, além da Igreja Matriz, o Colégio Sagrado Coração foi-se erguendo com seu incentivo, e também a Santa Casa de Misericórdia que estava para ser inaugurada. Foi um projeto que o levou certamente a lágrimas e noites sem dormir, dado que em 1922, por exemplo, não havia mais condições financeiras para continuar a obra e a equipe de construção, formada por fazendeiros e benfeitores, não conseguia mais colaborar e pe. João desesperado e desanimado diante da animosidade dos que estavam a frente.
Foi quando o sacerdote convidou alguns homens de posse para levar adiante a conclusão da Matriz. Eram eles: Cel.Cândido Pereira Lima, Cel. Joaquim Pereira Lima, Dr. João Theodoro de Lima, Américo Salles de Oliveira e José Anchieta Nogueira. E, para o bem do povo jardinopolense, dom Alberto sagrou o altar-mor e o altar de Nossa Senhora do Rosário no dia 30 de maio de 1926. E diversas características da nova Igreja, seja interna ou externamente, lembravam a Catedral de Ribeirão Preto que foi concluída no mesmo período da construção. Tanto que até hoje alguns chamam a Igreja Matriz de Jardinópolis de “catedral em miniatura”.
Mas diante de tanta festa e gratidão pelo belo presente ofertado a todo o povo católico, o ano de 1926 seria de muita amargura e tristeza ao coração do pe. João, como ele mesmo transpareceu no Livro Tombo da paróquia, diante da desobediência dos organizadores da Festa do Senhor Bom Jesus da Lapa que, mesmo diante dos pedidos do Bispo de regularizar a festa conforme as orientações da Igreja Católica e, mesmo com a proibição dada pelo pe. João de realizar qualquer ato religioso pela desobediência às leis eclesiásticas, a festa aconteceu com todo o esplendor, inclusive com procissão, à revelia do vigário! De fato, depois dos dissabores que passou com inúmeros paroquianos por terem aderido à “Festa da Pequena” e se voltado contra o seu pastor, pe. João quase não registrou mais nada no Livro Tombo e, no início do ano seguinte, recebeu a nobre missão do seu Bispo de auxiliá-lo como Vigário-Geral da diocese, missão que exerceu brilhantemente até a sua morte, em 10 de outubro de 1973, aos 91 anos de idade e 65 de sacerdócio.
Buscando alguns documentos de monsenhor Lauriano que ficaram no Arquivo da Cúria, encontramos o desenho de uma planta que confirma, como último de seus atos antes de deixar a paróquia, registrado na bela biografia publicada pela prof. Nainôra Feitas e Inês Maria Imperatriz: “Em janeiro de 1927, quando se preparava para tratar da reedificação da casa paroquial, no mesmo local da velha residência, pe. João Lauriano foi chamado por dom Alberto para assumir o cargo de Vigário-Geral”. O desenho original da casa paroquial foi feito com o consentimento de mons. Lauriano em 1927, mas ela só começaria a ser erguida no ano de 1935. Tantos anos depois, a Igreja Matriz e a Casa Paroquial de Jardinópolis deixam sua marca no velho centro que, a cada mês, vê as antigas construções desmoronando e a memórias das belas arquiteturas se perdendo em modernas construções.
Deixamos aqui registrada nossa humilde homenagem ao monsenhor Lauriano e de um povo que nunca se esquecerá do ministério fecundo deste santo homem em Jardinópolis e no “caminho do calvário” de nossos bispos e arcebispos metropolitanos. DEO GRATIA!
Pe. Marcelo Machado – 16º Pároco
Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Jardinópolis
Referências:
IMPERATRIZ, I. M.; FREITAS, N. M. História de uma vocação: a biografia revisitada de Monsenhor Dr. João Lauriano. Ribeirão Preto, 2008.
LIVRO TOMBO. Paróquia Nossa Senhora Aparecida. Livro I. (1898-1991)
VALE, M. Monsenhor Dr. João Lauriano. Ribeirão Preto, 1976.