Eucaristia: gesto de partilha da palavra e do pão entre irmãos

Eucaristia: gesto de partilha da palavra e do pão entre irmãos

São João Paulo II, falando da Eucaristia chamou-a de “mistério grande, mistério de misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós? Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até o extremo (cf. Jo 13,1), um amor sem medida” (EE, 11). Caminhemos juntos para aprofundar e refletir o sentido da Eucaristia a partir da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi), celebrada em 19 de junho. Para isso sigamos o caminho da liturgia e aprofundemos o sentido da Eucaristia, centro e ápice de toda a vida cristã.

Na primeira leitura (Gn 14,18-20), encontramos Abraão voltando para casa após uma dura luta contra alguns reis. Cansado e faminto chegou com seus homens a Salém (Jerusalém) na qual reinava Melquisedec, rei e sacerdote, sacerdote do Deus altíssimo. Melquisedec quando soube que Abraão estava chegando, saiu da cidade e lhe ofereceu pão e vinho; depois o abençoou. Por que este texto é lido na solenidade de Corpus Christi? Porque Melquisedec é figura do Messias, Rei e Sacerdote, e a sua oferta de pão e vinho, o sustento cotidiano do homem, prefigura a Eucaristia. Melquisedec partilhou o seu pão e o seu vinho com quem estava com fome. Gesto parecido com o de Cristo no Evangelho.

Na segunda leitura (1Cor 11,23-26) temos o texto mais antigo sobre a instituição da Eucaristia no qual São Paulo transmite a catequese recebida dos apóstolos. São Paulo quer corrigir os abusos nas celebrações em Corinto. Os pobres estavam sendo humilhados e desprezados na Ceia do Senhor. É impossível ter comunhão com o Senhor, enquanto são desprezados os irmãos. Na Eucaristia, “anunciamos a morte do Senhor, proclamamos a sua ressurreição, até que Ele venha”. Quando Ele vier, vai nos julgar pela maneira como vivemos a Eucaristia. “A Eucaristia arrasta-nos no ato oblativo de Jesus” (Bento XVI, Deus caritas est, 13).

No Evangelho (Lc 9,11b-17), temos o relato da multiplicação dos pães, segundo São Lucas; ele foi escrito numa linguagem eucarística, isto é, a parte principal do relato usa os mesmos termos com os quais é descrita a Última Ceia: Jesus toma, abençoa, parte e distribui o pão. Mas não é qualquer pão, é o Pão da Eucaristia que lembra sua entrega por nós, sofrendo na cruz em total doação, como Ele mesmo nos diz: “Isto é o meu corpo que é dado por vós”. “Este cálice e a nova aliança, em meu sangue”.

Jesus quis ser pão, alimento do dia-a-dia para todos nós. Alimento que Ele não deu a uma só pessoa, partiu-o e deu a todos que ceavam com Ele.

Jesus repartiu sua vida com todos, vinda do Pai, pão vivo descido do céu. Através dele a aliança do Pai renova-se, é a “nova aliança”, agora com todos e para toda a humanidade.

Jesus nos deixa no gesto da partilha, o grande amor do Pai por nós, exemplo que nos pede para repetir: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A lição da partilha é uma dimensão irrenunciável da Eucaristia.

Na multiplicação dos pães, Jesus não fez descer pão do céu, como o maná de Moisés. Nem transformou pedras em pão, como lhe sugeriu o demônio quando das tentações no deserto. Mas ordenou aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” … e o pão não faltou.

A multidão que ia ao encontro de Jesus, como relata o Evangelho, pedia a cura aos que precisavam, mas ouvia atenta a sua Palavra, sem perceber o entardecer. Jesus alimentou-os primeiro com a Palavra, depois, com todos que comungaram sua mensagem, partilhou o pão. Tudo começa com a partilha da Palavra, depois segue a partilha do pão.

Jesus mostrou aos discípulos o milagre do amor. O amor infinito que vem de Deus. O amor que se transforma em pão, multiplica-se quando partilhado, alimenta a todos. Quando o pão é partilhado sempre sobram cestas de pão. O Cristo vivo no Santíssimo Sacramento é vivo também na Palavra do Evangelho. Precisamos colocar-nos a seus pés, como a multidão que o seguia, primeiro, para ouvir o que Ele quer nos falar, depois para recebê-lo no pão da Eucaristia.

Palavra e Eucaristia, pão para ser comungado e adorado, não só adorado. Cristo perpetuou sua presença entre os discípulos como alimento. E este alimento é para ser consumido, porém não isoladamente: é pão partido e repartido entre os irmãos. Os que se alimentam do seu corpo, bebem de seu sangue, identificam-se com Ele, formam um só corpo, repetem o seu gesto de amor. Como discípulos, também recebemos o pedido: dai-lhes vós mesmos de comer”. Não podemos despedir os que precisam de nós, seja em necessidades materiais ou espirituais.

Jesus está conosco, mas depende de nós o milagre da partilha. Quando sabemos partilhar, geramos felicidade e recolhemos mais que sobras de pão. Recolhemos alegrias e multiplicamos a esperança de que o pão sempre poderá ser partilhado para saciar a fome dos famintos. Construímos uma sociedade solidária e fraterna. Aqui recordamos a palavra de Bento XVI, no Discurso inaugural da Conferência de Aparecida: “Somente da Eucaristia brotará a civilização do amor, que transformará a América Latina e o Caribe, para que além de ser o Continente da esperança, seja também o Continente do amor!”

Como irmãos, caminhemos juntos e rezemos: Fica conosco, Senhor! Alimenta-nos com o Pão da Unidade. Dai-nos a graça de compreendermos mais e melhor as lições da Eucaristia, conscientes de que a partilha é uma dimensão irrenunciável da mesma. Senhor Jesus, Pão Vivo descido do céu, sustentai-nos na vivência da partilha, hoje e sempre. Amém!

Dom Moacir Silva
Arcebispo Metropolitano


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Julho/2025

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