Em meados de 2010 eu trabalhava muito, mas sentia um vazio existencial. Sempre católico desde a infância, coroinha, integrante do grupo de jovens e adolescentes: “Todos Unidos Com Amor” (TUCA) e Todos Organizados Com Amor (TOCA), na Igreja São Judas Tadeu, em Franca, junto com os padres franciscanos, depois participei do Coral de Música, colaborei na liturgia, participei um pouco da Ordem Franciscana Secular do Brasil (OFS), e também da Sociedade São Vicente de Paulo, onde atuo até os dias de hoje, mas tudo isso ainda não me fazia feliz e realizado.
Ao refletir o Evangelho: “estive preso e vieste me visitar” (Mt 25, 36), pensei interiormente: “na cadeia eu nunca fui”. Já tinha visitado asilos, hospitais, creches, casas de famílias carentes, mas no presídio eu nunca tinha ido, então decidi que queria conhecer essa realidade e evangelizar os privados de liberdade. Fiz contato na Cúria Diocesana de Franca para saber quem fazia esse trabalho e fiquei sabendo da existência da Pastoral Carcerária, cujo coordenador era o Padre Marcão e o Diácono Carlos, e após fazer a credencial de visitante religioso iniciei as visitas ao Centro de Detenção Provisória de Franca (CDP) e a Cadeia Pública Feminina. O trabalho na diocese de Franca buscava, além das visitas e da convivência com os agentes da pastoral, o serviço de reinserção social dos egressos, inclusive existe uma chácara para apoio e acolhimento que recebeu o nome do bispo “Dom Pedro Luiz Stringhini” pelo incentivo ao trabalho da Pastoral Carcerária.
Em 2015 por motivos profissionais me mudei para Ribeirão Preto, e procurei os Vicentinos e a Pastoral Carcerária. Fiz amizade com os padres: Joao Rípoli, Agostinho, Gisberto, Rafael Ribeiro (na época ainda seminarista) e Diácono Antônio Carlos, e com os demais agentes da Pastoral Carcerária, e iniciei as visitas nas unidades prisionais da região de Ribeirão Preto (temos 8 unidades prisionais e quase 10 mil pessoas privadas de liberdade.
Com o apoio do arcebispo Dom Moacir Silva, sempre em ocasiões especiais como Natal, dia das Mães, Páscoa, celebramos a missa, temos atendimento de confissões, e agora com a graça de Deus, iniciamos uma turma da Catequese de Adultos com 14 detentos. Este grupo começou com a reza do Terço, às quintas-feiras, com os detentos do Raio 5, na Penitenciária 1, em Serra azul, e a perspectiva é caminhar até o recebimento dos sacramentos da iniciação à vida cristã.
Sempre costumo dizer que a Pastoral Carcerária é o grupo mais feliz da Igreja Católica, parece loucura, mas é a realidade, a amizade nos une, a fraternidade entre os irmãos é uma coisa rara de se ver, e muito prazerosa são as visitas nas unidades prisionais. Saímos das visitas mais agraciados do que quem recebe a visita, e existe muito respeito dos presos para conosco, pois às vezes somos os únicos a visitá-los, já que os parentes e os amigos, muitas vezes pela distância ou tempo os abandonam. Quando se leva um violão ou instrumento musical a visita ganha mais alegria e adesão por parte dos detentos.
Os diretores respeitam o trabalho e nos recebem bem, e sempre que precisamos somos atendidos com presteza e solidariedade. As penitenciárias da região são bem cuidadas, as instalações são higiênicas e existe atendimento ambulatorial e hospitalar, há possibilidade de estudo, e até cursos superiores na modalidade a distância em algumas unidades. Os presos têm acesso a trabalho para sua fonte de renda e para remissão de parte da pena. Existem outras denominações religiosas que também visitam o cárcere, e somos amigos delas, inclusive já convidamos para participar das nossas reuniões, e fizemos uma reunião ecumênica.
Fica o convite para quem se sentir vocacionado a este bonito trabalho de levar a mensagem e o exemplo de Jesus Cristo por intermédio da Pastoral Carcerária. As reuniões ocorrem mensalmente, sempre na última quinta-feira do mês, às 19h30, no Centro Arquidiocesano de Pastoral. Os vocacionados podem se aproximar e conviver conosco para um discernimento vocacional, até discernir o tempo certo para iniciar as visitas. Sempre vamos dois a dois como manda o Evangelho, e além de levar a Palavra de Deus fazemos a pastoral da escuta e visita de cortesia, e estamos abertos a ouvir o relato dos presos (vida, família, angústias, tristezas, alegrias), e estimulamos todos a trilhar um caminho de conversão e reconciliação com Deus, e com seus familiares e amigos. A única regra é nunca perguntar o delito que a pessoa cometeu, pois não compete a nós o julgamento, para isso existem juízes, promotores e advogados, que cuidam da parte legal, a nós cabe a ajuda espiritual e humanitária para que a pessoa redescubra o valor e a dignidade de ser humano e filho de Deus.
Há muitos movimentos católicos que levam a Palavra de Deus as pessoas e as famílias, e assim fazemos a interpastoralidade, sempre mantendo informadas as outras pastorais, para que as vítimas e os familiares também sejam visitados e evangelizados, e assim cumprimos fielmente a palavra de Jesus Cristo que diz, o Evangelho tem que ser pregado a toda criatura e se nós nos calarmos até as pedras falarão. Hoje contamos com o auxílio de um escritório social através de duas ONGs: Associação Grandes Corações (Agrac) e Franz de Castro, e estamos estimulando os egressos a preencherem currículos, fazerem cursos profissionalizantes e se inserirem no mercado de trabalho ou serem trabalhadores autônomos, sempre acreditamos no tripé, espiritualidade, estudo e trabalho para reintegrar a pessoa na sociedade.
Samuel Melo
Coordenador Arquidiocesano da Pastoral Carcerária
@pastoralcarcerariarp