Assim vai se ‘alagando’ em nós: a fé, a esperança, a cultura de um povo, a missão e a vida

Já havia algum tempo, eu vinha selecionando algumas imagens por meio de fotos, aguardando um momento exatos de as tornarem vivas, pois, penso que, uma vez partilhadas, adquirem vida. Queria ter levado esta “vida” desde quando a segunda onda da pandemia nos assaltava pelo medo, insegurança e incertezas. Esta já me havia forçado a fazê-lo, mas, queria mesmo era levar imagens de Vida.

Já se passaram vários dias e as fotos iam se avolumando, quando o já chuvoso inverno amazônico fazia sinais com fumaça de que o tempo corria, feito os nossos rios, lentos, mas sempre sem descanso e sem cessar seus sutis movimentos. Os sinais já não eram mais sinais, mas já era o tão esperado tempo “das cheias” chegando e, taciturno , já cobria as margens do barrento Solimões e as do Negro Rio nosso.

Na sede do município (Careiro da Várzea/AM) já se fazia apostas de que não seria uma cheia tão normal e se as casas de apostas tivessem aqui, elas sim, estariam muito cheias. Nas comunidades, às margens destes, cujos barrancos já se camuflavam, gostava de perguntar aos sábios homens e as sábias mulheres o que os longos anos seus aqui, diagnosticavam e previam. Ah, padre, me advertiram, pelo ritmo lento, porém, sem parar e sem repique, podemos abrir bastante os braços para recebermos uma grande cheia. Parecia estar numa biblioteca a puxar aqueles quase desmanchados livros antigos, onde se podia ler os filósofos na mais pura tradução de suas obras.

Ao ritmo do rio então, eu já era avisado que naquela e outra capela seria a última missa antes que ela fosse “para o fundo”, como se costuma dizer aqui. Neste mesmo ritmo, eu via o nosso rio de águas barrentas já passeando e se esticando pelas ruas da sede do município, como num preguiçoso gesto, destes nossos ,quando bocejando e esticamos os braços, um ensaio de prosopeia. Assim, como uma amazônica epopeia, nossas casas ganhavam saídas para as pontes e as caudas dos rios já invadiam as casas mais suscetíveis em “recebê-las”, de bom ou mau grado.

Neste mistério já desvelado e com as apostas concluindo seu prazo a serem feitas, pudemos levar a estes que sofreriam os impactos primeiro da revelação, alguns e muitos “ranchos” que talvez, poderiam amenizar por alguns dias, a agonia dos que teriam suas hortas e plantações devoradas, na lentidão, pelos braços que se espreguiçavam ainda mais. Neste ritmo ainda, pudemos inaugurar a “salinha” que a irmã Carla iria usar para pôr em prática, entre nós, seu conhecimento e profissionalismo adquirido na faculdade de psicologia. Ah, seus horários de serviço voluntário, estão toda semana esgotados.

O silêncio e burburinho e o emergir contínuo das águas, não impediam que os homens e mulheres de fé a expressassem nas orações e nos sacramentos, pois, começamos a fazer das escolas, “escolas” de fé e de encontros. Ah, a casa do padre, esta já recebia reparos para não ser invadida e tão alto era o murinho de contenção que me perguntaram: padre, e a fé ? Bem, fé em Deus até que tenho, sabe, mas o que não boto muita fé de que ela seja impermeável. Para espantar a atenção a esta tensão, fui pela estrada, a chamada e famosa BR 19, esta, a única que nos liga ao continente e que possui um poder sem igual: ela consegue eleger governantes mais e melhor do que qualquer cabo eleitoral que se conheça.

Assim, chegou meu dia, digo, acertei em não pôr na impermeabilidade da fé. Sabem por que? Quando saí para mais um final de semana para as comunidades, já me despedira da casa com alguns sinais de que eu já estava sendo invadido. Enquanto estava em terra firme, para onde fui, chegou através dos sinais das ondas sonoras, e não de fumaça , que a iminente invasão já não era mais iminente. Foi uma sensação muito, muito diferente que, de tão diferente e pontiaguda que foi, a descreverei , assim que o primeiro impacto der lugar ao terceiro ou quarto.

Bem, quase já posso falar, então, pois, quando fui para o descanso dos justos e, diga-se, merecido sono dos justos, agradeci a Deus: obrigado, Senhor, pois meu peito está no único cômodo que não sofrera o assalto e a invasão do nosso BARROSO, falo da cor e da densidade do nosso líquido ser vivo (água). Porém, uma certa nostalgia e a certeza de que a fé não é impermeável de fato, mas que ter e viver da fé, não isenta nem o mais Santo dos santos das vicissitudes da vida.

Crer e Amar criam raízes de vida, na medida em que nos damos conta das nossas finitudes e limites. Bem, usei um pouco da característica de prolixo para dizer que esta certeza e sensação se fizeram fortes quando, depois do sono dos justos , a acordar e pôr o pé direito no chão da beira da cama, experimentei e senti toda fragilidade e de súbito, um sentimento de gratidão, de que a vida recomeça cada novo dia e que agora, era o momento de fazer valer o que escolhi com lema de vida: “faz-me tudo com todos…” Isto fez-me levantar, também de mim mesmo e procurar estar e viver o momento presente, onde estou e vivo: NO PRESENTE. Pode parecer irracional e de fato é: Agradeci! Posso molhar os pés na história deste lugar, na vida desta gente, na MISSÃO e no me lamear no servir!

Padre Aparecido Donizeti Maciel
Missionário da Arquidiocese de Ribeirão Preto na Ação Missionária Ribeirão Preto / Manaus e Itacoatiara
Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – Careiro da Várzea – AM

Fonte: https://www.facebook.com/aparecido.maciel.7543

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