Nós temos um instrumento muito precioso para nos ajudar a avançar no caminho penitencial e no caminho da conversão pessoal e comunitária: A Campanha da Fraternidade (CF), que neste ano tem como tema: “Fraternidade e Fome” e como lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16). A CF é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma.
Este ano, com o tema “Fraternidade e Fome, somos convidados a considerar a fome como referência para nossa reflexão e nosso propósito de conversão. Não nos esqueçamos: Milhões de brasileiros e brasileiras experimentam a triste e humilhante situação de não poder se alimentar nem dar aos seus filhos e filhas o alimento indispensável a cada dia”.
O Texto-Base (TB) da CF-2023 parte da Palavra de Deus (Mt 14,13-21). O Papa Francisco nos ensina: Jesus era assim: tinha sempre compaixão, pensava sempre nos outros. (…) Jesus se comove. Jesus não é insensível, não tem um coração enrijecido. Jesus é capaz de se comover. Sente-se ligado àquela multidão… Ao cair da noite, Jesus se preocupa em dar de comer a todas aquelas pessoas, cansadas e famintas, e cuida de quantos o seguem. Ele quer que seus discípulos se tornem partícipes disso. E por isso, diz-lhes: Dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14, 16) (…) O senhor vai ao encontro das necessidades dos homens, mas deseja tornar cada um de nós concretamente participante da sua compaixão (cf. TB 15).
Depois o TB nos convida a “VER a realidade da fome”. A fome é uma realidade no Brasil. E, este fato não pode ser negado. Ela é o flagelo de uma multidão de brasileiros. Mas, no Brasil não falta alimento. (…) O que então nos falta? Falta-nos convertermo-nos ao Evangelho, olhar com sinceridade as necessidades do outro, aprender a repartir para que ninguém fique com fome… (cf. TB 29). A fome no Brasil é um escândalo! Um escândalo de proporções inimagináveis. Em nosso País, há 125,2 milhões de brasileiros que nunca sabem quando terão a próxima refeição. Tudo começa por um ato de ver. É preciso fazer como Jesus: “levantar os olhos e ver” a realidade da fome no Brasil (cf. TB 31).
O Direito Humano à Alimentação Adequada é indispensável para a sobrevivência. No Brasil, este direito está assegurado entre os direitos sociais da Constituição Federal (cf. TB, 38). A alimentação saudável não pode ser considerada apenas uma questão de solidariedade. Ela é um direito. E, como tal, deve ser garantida pelo Estado a todos os seus cidadãos (cf. TB, 39).
Na terceira parte, o TB procura “ILUMINAR a realidade da fome com a luz da Palavra”. ‘A Palavra divina ilumina a existência humana e leva as consciências a reverem em profundidade a própria vida’ (Verbum Domini, n. 99). Diante de questões tão dilacerantes como as que se percebem quando o quadro da fome é apresentado, apenas a Palavra de Deus tem o poder transformador de iluminar e indicar caminhos de esperança (cf. TB, 114). Segundo a Escritura, a fome sempre foi um flagelo do povo, sentido com grande compaixão por Deus. O Antigo Testamento registra a identidade de um Deus que, a partir do Êxodo, se revela comunitariamente como o Deus, que vê o sofrimento humano e age pela sua libertação (cf. TB, 116).
No Novo Testamento, a atuação de Jesus, suas palavras e ensinamentos também transparecem a coerência com o Antigo Testamento em sua predileção pelos famintos como destinatários urgentes da ação daqueles que deseja ser fiéis à Aliança com o Senhor (cf. TB, 121).
O ensinamento pontifício ajuda a iluminar nossa postura diante da realidade da fome. Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, o Papa Bento XVI, afirmou: A união com Cristo, que se realiza no sacramento, habilita-nos também a uma novidade de relações sociais: ‘a mística do sacramento tem um caráter social, porque (…) a união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele se entrega’ (cf. TB, 151).
Por fim, o TB apresenta o “AGIR para transformar a realidade da fome”. A fome nos desafia e desinstala. É preciso agir! Não é possível ficar parados diante do grito da realidade brasileira e do mandamento de Jesus. É a dimensão social da fé que exige de nós engajamento na busca de soluções eficazes para o drama da fome (cf. TB, 157). Assim, o TB apresenta propostas de Ação Pessoal: o que eu posso fazer? Propostas de Ação Comunitário-Eclesial: o que nós – Comunidade-Igreja – podemos fazer? Propostas de Ação Sociopolítica: o que nós – sociedade cidadã – podemos fazer e cobrar daqueles que elegemos para nos governar mediante cargos públicos? (cf. TB, 166-168). Essas propostas do AGIR serão distribuídas em nossas comunidades paroquiais. Vivamos o mandato de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).
Dom Moacir Silva
Arcebispo Metropolitano
Boletim Arquidiocesano Igreja-Hoje
Janeiro/Fevereiro 2023