ANO VOCACIONAL (2022-2023)
Dom Miele e o cuidado com os presbíteros… 45 anos depois!

Precisávamos registrar esse momento quase cinquenta anos depois. O dia era 02 de fevereiro de 1978. O arcebispo da época, dom Bernardo José Bueno Miele (1967-1981), foi à casa paroquial da Catedral encontrar-se com pe. Chico (côn. Francisco de Assis Correia), cooperador do côn. Gisberto Pugliesi naquele período. Chegando lá, entregou ao padre um exemplar recente do jornal O Santarritense, da cidade de Santa Rita do Passa Quatro (SP), que trazia um breve relato da história da paróquia e dos padres que por lá passaram.
Depois de uma conversa descompromissada, dom Miele pediu ao pe. Chico que preparasse uma biografia dos padres falecidos que passaram pela Arquidiocese de Ribeirão Preto, para ser publicada no Jubileu dos 75 anos da diocese, a ser celebrado em 1983. O pedido de dom Miele para manter viva a memória dos operários da nossa Igreja certamente refletia o cuidado, o afeto e a proximidade deste pastor com o seu clero. O fato é que o desejo do arcebispo nunca fora realizado. No Jubileu, côn. Francisco publicou uma edição atualizada da História da Arquidiocese de Ribeirão Preto, primeiramente escrita pelo monsenhor dr. João Lauriano (1882-1973), vigário-geral da arquidiocese.
Cônego Francisco justificou que, por várias razões, a pesquisa ficou engavetada, seja pelo arcebispo nunca mais ter tocado no assunto (até porque dom Miele faleceu dois anos antes do Jubileu), seja pelas dificuldades de uma pesquisa minuciosa como esta: informações escassas e contraditórias, Livros de Tombo incompletos, a falta de apoio dos padres em oferecer os dados da paróquia e, sobretudo, a falta de recursos financeiros para viagens e pesquisas na obtenção de novos dados.

No ano de 2006, comecei a cursar Teologia e o cônego Chicão ministrava várias disciplinas, e também era o diretor-geral do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto. Ele sempre contou com a ajuda de seminaristas para digitação, pesquisas e muitos iam até as paróquias mais distantes para trazer dados históricos ao cônego. E, desde então, também comecei a colaborar, já que sempre fui apaixonado pela história da Igreja.
Mesmo muito sistemático e com um gênio difícil, côn. Chicão entregou-me várias folhas escritas à mão e com muitos recortes de jornal e notícias datilografadas, e pediu para que eu digitasse. E depois, mais do que depressa, pedi para organizar melhor, atualizando aquela lista de padres falecidos com velhas folhas de almaço amareladas. Havia mais de duzentos nomes e biografias! Mas nunca me esqueço de uma orientação do cônego: “Quero somente os padres diocesanos! Não damos conta de pesquisar todos os religiosos “. E assim, mais uma difícil tarefa: separar, naquela imensa lista, os religiosos dos seculares, um trabalho que levaria anos.
Pouco antes de minha ordenação presbiteral, já percebia que o côn. Chicão sinalizava pioras na sua saúde, e muitas vezes nem entendia mais sua grafia para as digitações. O que, depois, culminou na saída como professor do Cearp e na perda total de sua visão, anos depois. Certa vez, arrisquei-me e disse: “Pe. Chicão, se um dia o sr. morrer sem terminar a pesquisa dos padres, pode deixar que eu assumo a promessa que o sr. fez a dom Miele!”. E ele escutou sem reclamar, acolhendo em um profundo silêncio.
Côn. Chicão faleceu no ano de 2016 e eu, por muitos anos, deixei guardado todos os originais e digitados. Segui meu ministério e pouco recordava da promessa que tinha feito. Desde a pandemia do Covid-19, reencontrei os papéis que guardei com tanto cuidado e retomei a pesquisa. O caminho agora é revisitar as paróquias que pertencem e pertenceram à arquidiocese, aprofundar as pesquisas nos Arquivos Diocesanos e Metropolitanos de vários Estados do Brasil, reencontrar memórias e pessoas de boa vontade que ajudem a retomar a trajetória de homens que deram suas vidas à nossa Igreja Local e na aquisição de patrimônios, na formação de bons cristãos e nos vários sacramentos e bênçãos dispensadas nos últimos séculos.

Desde Mogi-Guaçu, na primeira metade do século XVIII, até a paróquia São Mateus, última ereção canônica dada por dom Moacir em 2018, são mais de 600 padres seculares que por aqui passaram e 300 anos de história. Alguns aqui pastorearam com muitas dificuldades, mas nunca faltando a fé. São padres que morreram em epidemias, padres presos, padres assassinados, padres que atravessaram o oceano, padres que abandonaram o ministério, padres que morreram santamente após longos anos de trabalho pastoral. Quantas famílias ofereceram seus jovens filhos para a nossa arquidiocese…

Queira Deus que, num próximo Jubileu, consigamos publicar aquilo que, despretensiosamente, dom Miele pediu ao jovem sacerdote, na intenção de que a história pudesse se manter como chama acesa nos nossos corações. Que este Ano Vocacional também proporcione um incentivo para as santas vocações sacerdotais, religiosas e laicais.
Prof. Me. Pe. Marcelo Luiz Machado
Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto