Entre alegrias Pascais: Dom Mousinho e o Concílio Vaticano II (1962-2022)

Eu não conheci dom Luís do Amaral Mousinho, mas convivi com várias pessoas que tiveram o privilégio de ter ao menos ter trocado uma prosa de conversa com o primeiro arcebispo de Ribeirão Preto. E fui capturado pelo fascínio histórico de ler as entrelinhas e buscar sempre uma fotografia, uma mensagem, uma biografia… Sua morte prematura ceifou uma caminhada promissora ao prelado brasileiro em nossa Igreja, mas ao mesmo tempo deixou preparado um belo jardim e, no centro dele, a Virgem Maria, o “Jardim da Imaculada”!

Não poderia deixar passar em branco esta efeméride, a história de dom Mousinho e do Concílio Vaticano II se confundem. Nesta semana da oitava pascal, os 60 anos da páscoa de dom Mousinho que nos deixa saudades, também se revela na esperança entusiasmada das mulheres que vão correndo anunciar que o Senhor vive. E aqui algo que vale a pena ser lembrado e diretamente verbalizado pelo papa Francisco: “ou você está com a Igreja e, portanto, segue o Concílio, ou o interpreta do seu modo e não está na Igreja. O Concílio não pode ser negociado” (1). Não é difícil descobrir que as sementes que dom Mousinho deixou cair em terra boa quando deixou-nos neste mundo, vimos florescer – ainda que em meio a geadas, tempestades e podas nem sempre bem feitas – uma Igreja renovada na fé, na esperança e na caridade, especialmente quando se trata do diálogo com o mundo moderno, da liberdade religiosa e da Igreja que precisa compreender melhor a si mesma neste novo milênio como Povo de Deus, Corpo Místico de Cristo e Templo do Espírito Santo.

Dom Luís discursando em Bento Quirino, São Simão, na inauguração da nova Igreja, futura Matriz, em 13 de junho de 1960, na festa de Santo Antônio de Pádua, padroeiro da comunidade, no bairro dos ferroviários.

Dom Luís do Amaral Mousinho nasceu em Timbaúba, Pernambuco, no dia 18 de novembro de 1912, filho de José Gabriel Mousinho e dona Feliciana do Amaral Mousinho. O jovem foi o aluno fundador do Colégio Pio Brasileiro, em Roma, no ano de 1934, onde já se destacava nos trabalhos acadêmicos. Sua ordenação presbiteral se deu em 27 de março de 1937, em Roma. Em 30 de agosto de 1948, com apenas 35 anos de idade e 11 de sacerdócio, foi nomeado bispo de Cajazeiras (PB). Três anos depois, foi nomeado para a diocese paulista ribeirão-pretana, aos 12 de março de 1952, onde permaneceu por frutuosos dez anos, falecendo no dia 24 de abril de 1962.

Trago à memória histórica alguns lampejos de assentimento e gratidão de nossa arquidiocese. Monsenhor João Lauriano (1882-1973), nosso “cirineu dos bispos” e primeiro historiador da diocese, lembrava, quando da chegada de dom Mousinho que a Santa Sé retirou “do piedoso e sofredor Sertão Paraibano para as gloriosas terras bandeirantes” (2) paulistas, o que, de fato, continua a se dar com inúmeras famílias que migram para o sul para melhores condições de vida. Em nossa região, muito mais pela alta produção canavieira.

Cônego Francisco de Assis Correia (1944-2016), que dedicou seu ministério à formação sacerdotal e à pesquisa da história da arquidiocese – a quem devo minha paixão pela história de Ribeirão Preto e a continuar suas pesquisas – sempre dizia quem dom Mousinho era “um bispo de horizontes amplos” (3), afirmando que era um homem além do seu tempo. Aqui recordo a famosa expressão de São João XXIII quando disse que era preciso abrir as janelas do Vaticano para correr um pouco mais de ar e luminosidade, com o anúncio do concílio. De fato, é preciso abrir as janelas da casa para se buscar horizontes amplos.
Dom David Picão (1923-2009), que sempre ladeou dom Mousinho, auxiliando-o no governo da diocese até sua nomeação episcopal para a nova diocese de São João da Boa vista, testemunhou em seu funeral: “Dom Luís viveu a Igreja! Inteligência esclarecida, vontade inquebrantável, sua piedade foi sempre lógica. Detestava os pieguismos. Aprofundava-se no que há de mais essencial e autêntico nas fontes da vida cristã. Missa edificantemente celebrada. Breviário e terço rezado com fidelidade e seriedade absolutas. Disciplina em regularidade de trabalhos e vida. Visitas pastorais intensas, levando a Palavra de Deus aos grupos especializados, visitando os núcleos rurais mais importantes para estar junto aos mais humildes e sofredores” (4).

Dom Luís com membros da Juventude Operária Católica e membros da Ação Católica, em Ribeirão Preto, no ano de 1955. ao lado, côn. Jaime Luiz Coelho, pároco da catedral naquele período e côn. Horácio Longo

No leito de morte, conta José Pedro de Miranda (1930-1999), funcionário da Cúria Metropolitana naquele momento: “acompanhei seus últimos meses de vida. Ao pé de sua cama, com alguns sacerdotes, seus familiares e alguns leigos de sua convivência. Momento para momento sentia eu o fim da grande vida. Mas ele morre sem dar manifestação de dor. A tudo sofreu com resignação pelo bom êxito do Concílio Ecumênico Vaticano II. Eis minhas palavras para seu trabalho” (5).

E é aqui que este breve testemunho se funde como dois rios que encontram o mar. Foi de uma comoção nacional uma carta enviada a seu grande amigo, dom Hélder Câmara (1909-1999), naquela ocasião secretário-geral da CNBB. Na V Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, em abril de 1962, a carta de dom Mousinho foi lida e apreciada por todos. Dos 13 pontos de renovação e reflexão sugeridos, vê-se um autêntico espírito de sinodalidade, fruto maduro que dom Mousinho não colhera, mas plantara em seu apostolado. Destaques para a revitalização do diaconato permanente, a tradução para o vernáculo para os livros litúrgicos e o breviário, a revisão na prática do jejum, a redação de um novo código de direito canônico, a aposentadoria nos cargos eclesiásticos por limite de idade e, inclusive, sugerindo que o conclave para a eleição do novo papa fosse realizado por um Colégio Episcopal, e não pelo Colégio Cardinalício, tema que hoje ainda suscita fervorosas discussões (6).

Trazer à tona o desejo de não somente retomar o Concílio, mas “tomá-lo”, verdadeiramente; não beliscando partes textuais dos documentos como que numa mesa de aperitivos, mas buscando viver, com profundidade, uma leitura evangélica dos sinais dos tempos. É irrisório discutir a invalidez do último concílio, acusado de ser somente “pastoral”, mas que sempre foi essencialmente dogmático; ou ainda de propor um Vaticano III para colocar debaixo do tapete os conflitos pendentes.
O mundo continua ferido e machucado. E a Igreja, com o avental do Lava-pés, abaixa-se como fez o Bom Samaritano, com o bálsamo da esperança. E foi no momento de dor profunda que dom Mousinho se fez ouvir, no silêncio de seu repouso eterno. Que estas bodas nos faça recordar, com carinho, nossa história, enxugando nossas lágrimas porventura de tristeza e cansaço, mas nunca deixando de caminhar.

E por que não terminar com os versos de cônego Aguimar Luiz de Paula Marques, que na sua arte singela, deixou-nos uma doce lembrança:

Nossas orações foram atendidas
Deus nos enviou a pessoa indicada,
Que veio das regiões nordestinas,
Para governar uma Diocese motivada.

O perfil do terceiro Bispo Diocesano,
Tivemos a graça de conhecer.
Nunca escondeu seus talentos,
Até momentos antes de falecer.

O Seminário foi seu grande ideal.
Para Brodósqui voltou as atenções.
Organizou campanhas e movimentos,
Não se esquecendo das orações.

O Seminário uma vez inaugurado,
Foi acolhendo promissoras vocações.
Adolescentes e jovens foram recebidos,
Surgindo assim as ordenações.

Sonhava em participar do Concílio,
Mesmo ciente da sua doença.
Na primeira Carta Pastoral,
Já externava corajosa presença.

Deus o chamou tão depressa,
Para no céu poder repousar.
Sua gestão foi abençoada,
Pela prudência em saber governar. (7)

Como nos lembra o evangelista João: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto” (Jo 12,20). Que dom Mousinho, do céu, olhe por toda a nossa Arquidiocese de Ribeirão Preto, que sempre o trará à lembrança com muito amor e gratidão!

Pe. Marcelo Luiz Machado
Professor de Teologia do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto

(1) FRANCISCO, PP. Discurso do Papa Francisco aos participantes no encontro promovido pelo Departamento Catequético Nacional da Conferência Episcopal Italiana. 30 de janeiro de 2021. Disponível em: www.vatican.va .
(2) LAURIANO, João. Bispos e Arcebispos de Ribeirão Preto. São Paulo: Ave-Maria, 1975, p. 65-67.
(3) CORREIA, Francisco de Assis. História da Arquidiocese de Ribeirão Preto (1908-2008). Brodowski: Grafcolor, 2008, p. 171-222.
(4) PICÃO, David. Dom Luís Mousinho viveu a Igreja. Ribeirão Preto, 1962, p. 11-12.
(5) SOUZA, Adhemar Pedro de. Do Luís: subsídios para uma biografia. Ribeirão Preto, 1969, p. 04.
(6) CORREIA, Francisco de Assis. História da Arquidiocese de Ribeirão Preto (1908-2008). Brodowski: Grafcolor, 2008, p. 174-176.
(7) MARQUES, Aguimar Luiz de Paula. Máximas e Mínimas em versos. São Simão, 1997, p. 47-48.

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