O silêncio que ecoou pela casa

A Igreja particular de Ribeirão Preto efusivamente se preparou para entrar no novo milênio e atender às demandas eclesiais e sociais que surgiam entre o povo arquidiocesano. A falta de sacerdotes se apresentava como a principal problemática a ser solucionada e, nesse contexto, a ação dos leigos se tornava decisiva para que a assistência religiosa contemplasse a realidade das cidades, bem como a das mais longínquas comunidades e capelas.

Desse modo, a Casa Dom Luís foi referencial na formação dos agentes de pastoral que de fato se espraiaram pelas paróquias e instituições civis capitaneados pelo ideal de serviço que a Igreja lhes propunha. Com o advento das vocações ao presbiterato no governo de Dom Arnaldo Ribeiro, o clero cresceu de modo que leigos e padres começaram a trabalhar conjuntamente a fim de atender às necessidades do emergente milênio. Dom Joviano de Lima Júnior, SSS, ao assumir o arcebispado em 2006 apontou a missionariedade como iniciativa prioritária em sua pastoral, no ensejo das diretivas do Documento de Aparecida (2007), que visava estimular a atuação da Igreja na América Latina. Reafirmava-se, então, o caráter imprescindível da formação dos católicos militantes sob o signo da unidade.

O Papa Francisco reza, sozinho, na Praça de São Pedro em 27 de março de 2020 (Vatican Media)

Assim, a Casa permaneceu como receptora dos movimentos leigos e de eventos dos cleros de diversas dioceses do interior paulista. A fim de melhor organizá-la administrativa e financeiramente, em 2018, sob o governo de Dom Moacir Silva, foi instituída uma equipe de padres que passou a auxiliar o economato nesse encargo. Os objetivos inicialmente pontuados para o trabalho foram o melhoramento de algumas partes da estrutura do prédio – cuja última reforma havia sido há 20 anos –, a regularização documental, visto que não havia um arquivo próprio até aquele momento e, também, um mais adequado registro dos hóspedes que por lá passavam (Livro Tombo da Casa Dom Luís nº 1).

Nota-se que nesse período houve grande participação da juventude nas atividades realizadas. O Movimento de Cursilhos de Cristandade permaneceu a cumprir seus retiros masculinos e femininos como costumeiramente o fez desde a criação da Casa, do mesmo modo como acontecia com as reuniões do clero de Ribeirão Preto.

Reforma para feitura da rampa de acesso à Capela.

No entanto, a ação pastoral da Igreja, tal como as sociedades do mundo inteiro, sofreu forte abalo com o surgimento do novo coronavírus (Covid-19), que começou a se alastrar no Brasil em fevereiro de 2020. De fato, o medo se difundia à medida que grande quantidade de pessoas padecia com o vírus, muitas chegando rapidamente a óbito. Todas as partes do mundo acompanharam os passos lentos e pesados do Papa Francisco, que sozinho caminhou pela Praça de São Pedro: “Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda” (Vatican, A Santa Sé, 27/03/2020), proclamou o pontífice. De Roma, no adro da Basílica, abençoou de forma extraordinária os povos que se viam no ocaso, sem consolo.

Enquanto formadora e cônscia de sua responsabilidade, a Igreja agiu a fim de salvaguardar a vida e a saúde dos fiéis. No dia da Solenidade de São José, em 19 de março de 2020, Dom Moacir Silva decretou a suspensão das atividades pastorais e de missas públicas, orientando seu presbitério a celebrações privadas com transmissão por meio das mídias sociais das paróquias e movimentos. A Casa Dom Luís, desse modo, foi fechada. Nos meses subsequentes a situação pandêmica se agravou e, nos municípios do território arquidiocesano, os párocos, vigários e capelães atuaram em conformidade com as normativas da autoridade arquiepiscopal e das agências sanitárias.

A obra finalizada.

De portas fechadas, o silêncio se propagou pela Casa Dom Luís. Foi necessário, então, tomar determinadas medidas para a sua manutenção: a antecipação das férias para alguns colaboradores e a redução do quadro funcional foram adotadas visto que não se tinha perspectiva de retorno. Dessa maneira permaneceu até o final do mencionado ano quando o economato optou por realizar, nesse período sem retiros e encontros, os necessários reparos na estrutura da Casa. Depois de feita a avaliação por uma equipe técnica de engenharia e arquitetura, iniciou-se a reforma de algumas partes que apresentavam rachaduras, como um dos corredores que leva aos apartamentos. Ademais, considerando a busca por acessibilidade, foi construída uma rampa na entrada da capela.

Preparando a estrutura, visava-se ampará-la para os futuros eventos que lá ocorreriam quando houvesse o declínio dos casos de transmissão e de morte por Covid-19, e que se tornasse viável o acolhimento de fiéis católicos em seu interior. Significativa foi a primeira vez que leigos e sacerdotes lá se reuniram desde o início da pandemia: juntos, no dia 14 de agosto de 2021, celebraram os 50 anos da inauguração da Casa Dom Luís, iniciando a comemoração do ano jubilar da “sementeira de discípulos missionários”, como a alcunharam.

 

Bruno Paiva Meni
Arquivo Metropolitano “Dom Manuel da Silveira D’Elboux”

11º Artigo – Série Histórica: Especial 50 anos da Casa Dom Luís
(Desde 14 de agosto de 2021, mensalmente no dia 14 de cada mês, publicamos um artigo histórico por ocasião do jubileu de ouro da Casa Dom Luís)

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