Ao chegarmos ao último quarto do ano de 2025, um ano guiado pela vivência do Ano Jubilar, motivados pelo tema: “Peregrinos de Esperança”, somos chamados a continuar a caminharmos juntos sedentos da paz, da misericórdia, da esperança, da caridade, da alegria e do amor pelo próximo em uma igreja em saída. O jubileu está aqui para que a todos seja dada a esperança, a esperança do evangelho, a esperança do amor, a esperança do perdão. Para isso, precisamos ser pessoas de esperança, peregrinos de esperança. Sabemos que a esperança forma juntamente com a fé e a caridade, o tríptico das virtudes teologais que exprimem a essência da vida cristã. No dinamismo indivisível das três virtudes, a esperança é a virtude que, imprime, por assim dizer, a orientação indicando a direção da existência daquele que crê. Por isso, o apóstolo Paulo convida-nos a ser alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração.
Assim deve ser, precisamos transbordar de esperança, para testemunhar de modo credível e atraente, a fé e o amor que trazemos no coração. Para que a fé seja jubilosa, a caridade entusiasta, para que cada um seja capaz de oferecer ao menos um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito, sabendo que no Espírito de Jesus isso pode transformar-se em semente fecunda de esperança para quem o recebe e nos direciona na nossa capacidade de esperar, confiar e agir.
Na Carta aos Hebreus (11,1-2.8-19) podemos encontrar o ponto de partida das grandes realizações que só foram possíveis por causa da fé. A fé definida como o modo de possuir o que ainda se espera. Portanto, fé é o fundamento da esperança, uma certeza a respeito daquilo que não se vê. Fé e esperança são virtudes irmãs, uma depende da outra e as duas são necessárias para viver. Mesmo que quem não tem fé religiosa necessita crer alguma coisa, por exemplo, um ideal político, um valor básico da pessoa humana, a necessidade de deixar sua marca no mundo. Ninguém vive sem algum tipo de fé.
Sem esperança não se vive. A fé, porém, alimenta a esperança, lhe dá forças novas. Ao curar pessoas, Jesus costumava dizer tua fé te salvou. Sem fé, nem nos movemos em busca daquilo que precisamos para viver. Sem fé na possibilidade de um mundo melhor, não haveria tanta gente dedicada à causa da paz, ao socorro dos doentes que não tem como retribuir. Não haveria gente dedicada à educação para a cidadania, à superação de preconceitos.
A Bíblia afirma que Abraão esperou contra toda esperança, ou seja, foi alguém que confiou em Deus e no futuro, quando não parecia haver no horizonte sinais que indicassem que a sua aventura ia dar certo. A esperança de Abraão se alimentava da fé e Abraão estava certo. Seus projetos deram um resultado espantoso, mesmo que tenha morrido sem ter visto o grande povo do qual foi pai.
Os passos esperançosos de Abraão começaram uma história que não só se estendeu pela terra inteira, como mudou radicalmente a direção da caminhada da humanidade. A história do povo hebreu, de Abraão até hoje, só se explica pela fé. Nossos irmãos judeus não perderam a fé nem quando a fúria nazista da segunda guerra assassinou seis milhões deles. Somos herdeiros dessa história do pequeno povo de Jesus, que não era um povo, um grandioso império, que não era maior do que outros povos vizinhos, dos quais sabemos pouco, mas que deu nova direção para a história humana. No Evangelho (Lucas 12,32-48), Jesus nos dirige palavras que fortalecem a esperança. Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o reino.
Jesus sabe que o rebanho é pequeno e a tarefa é grande. É surpreendente o que um pequeno rebanho pode fazer, animado pela fé e pelo Evangelho. É só lembrar o que era o cristianismo no começo. Pequenas comunidades sem apoio do poder constituído, com valores que não combinavam nem um pouco com os projetos dos poderosos da época. A fé não é uma espécie de seguro contra acidentes, nem bilhete premiado para a prosperidade econômica. Jesus garante que o Pai quer nos dar o reino. Esse reino de Deus tem valores que não cabem na conta bancária. Aliás, Jesus já avisa que é preciso um certo desapego aos tesouros deste mundo para ter uma bolsa recheada, inesgotável de tesouros no céu que são bem de outro tipo. Não se trata, portanto, de proteção divina para a pessoa se dar bem na vida em termos de riqueza e conforto de acordo com as leis da economia.
O tesouro em questão é bem mais seguro. É o fortalecimento da esperança e da vontade para que sejamos capazes de viver de modo mais pleno como seres humanos que desenvolvem bem os talentos recebidos de Deus, e transformam a realidade na direção da justiça e da paz. É o poder fazer a diferença por onde passamos construindo algo melhor, cada um dentro das suas possibilidades, que são maiores do que a gente pensa quando fortalecidas pela fé. A fé que o evangelho nos propõe não é uma atitude passiva de crer que Deus existe e tem poder. É uma postura de vigilância que leva a ação. Vigilância que é fidelidade no serviço cotidiano, não só as lideranças, mas a todas as pessoas que se dispõem a seguir o projeto de Deus. A vigilância requer que se preste muita atenção no que acontece, seja no campo pessoal, familiar, seja no terreno comunitário, social. É através da realidade que nos chegam os apelos de Deus e por isso é preciso estar atento. A vigilância tem o preço de uma luta contra nós mesmos.
O vigilante é aquele que resiste, o que combate para defender sua própria vida interior, para não se deixar arrastar pelas seduções mundanas, para não se deixar envolver pelas angústias da existência. Enfim, vigilante é o que se esforça para unificar fé e vida e para manter-se no equilíbrio e na harmonia. A vigilância é lucidez interior, inteligência, capacidade crítica, presença na história e não na distração nem dissipação. Quem estiver distraído ou acomodado vai perder as ocasiões de realizações importantes. Essas realizações relevantes não são somente aquelas que chamam a atenção. Todo dia, no contato normal com as pessoas, há muitas oportunidades de ser instrumento e sinal do amor e da justiça.
Todo ato na direção do reino é importante. A grandeza não se mede pelo destaque que a obra de cada um ganha neste mundo. Quem nos mede é Deus, e para Ele contam muito a fidelidade, a caridade, a perseverança em todos os momentos, desde os grandes atos históricos aos relacionamentos simples do nosso dia a dia.
Peçamos ao Senhor a graça de sermos testemunhas de esperança e testemunhas de fé por meio das nossas ações diárias na Igreja e na sociedade.
Dom Moacir Silva
Arcebispo Metropolitano
Boletim Informativo Igreja-Hoje
Setembro/2025