Uma paróquia conforme o Concílio

No início da década de 1960 a Arquidiocese de Ribeirão Preto vivia sob as novas perspectivas advindas do Concílio Vaticano II. Ainda em 1963, em meio à preparação para a segunda sessão conciliar e o conclave que elegeu o papa Paulo VI, a Igreja particular viu florescer uma nova paróquia, nascida do labor do povo com o ideal de levar a fé católica de modo efetivo às periferias. A Paróquia de São Pedro Apóstolo, no bairro do Barracão – atualmente chamado Ipiranga – representou o propósito de uma comunidade eclesial dinâmica que se adaptava à evangelização nos novos tempos.

Devido à extensa demanda surgida da cultura do café em Ribeirão Preto nas décadas finais do século XIX, surgiu um bairro que se destinava à produção de alimentos para a população que crescia. Os habitantes da localidade, em 1892, solicitaram ao Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Jorge Tibiriçá, expoente do Partido Republicano Paulista, a edificação de uma capela. Todavia, ele lhes negou o pedido argumentando que a Igreja e o Estado já não deveriam se envolver como no recente passado imperial. Dessa forma, sem subsídio da administração federal, os moradores construíram com seus próprios recursos a pequena capela, dedicada a Santo Antônio, que foi reconhecida e provisionada em 1903.

Nesse contexto, o país passava por um crítico processo de substituição da mão de obra escrava para o trabalho assalariado, de modo que a cidade passou a receber grande quantidade de imigrantes, majoritariamente italianos. Muitos deles se instalaram no mencionado bairro, que tinha uma estação de trem na qual se destacava uma ampla estrutura anexa para a recepção e o cadastro das famílias que chegavam à região para trabalhar. Por esse motivo, tal localidade urbana foi alcunhada de “barracão” e passou a ser conhecida por esse nome.

O Barracão, então, era o destino dos trabalhadores que imigravam e permaneciam na área urbana de Ribeirão Preto. Com a criação da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário da Vila Tibério, em 1914, os missionários claretianos ficaram responsáveis pela assistência religiosa da capela de Santo Antônio do Barracão.

Celebração da festa de Santo Antônio na antiga capela do bairro. Fonte: Arquivo paroquial.

Com a passagem do tempo e o desenvolvimento urbano, alterou-se a situação dos moradores do bairro: a expansão das indústrias tornou o operariado a sua maior parcela populacional. Como consequência do aumento do número de habitantes e da necessidade de a Igreja chegar até esses grupos sociais, em 1959 foi criada uma comissão para construir uma nova igreja.

Dom Luís do Amaral Mousinho, à época arcebispo metropolitano, já havia demonstrado seu desejo de levar a presença eclesial às periferias da cidade. Desse modo, ele incentivou a edificação de um templo mais apropriado para receber os fiéis do bairro, confiando ao leigo comerciante Bernardino Sciência da Silva a coordenação dos trabalhos. No entanto, tempos depois Dom Luís ficou gravemente doente e, apesar de ter contribuído para a preparação da Igreja do Brasil para o Concílio, faleceu meses antes da primeira sessão. Dom Agnelo Rossi lhe sucedeu no governo da Arquidiocese, em 1962, dando continuidade às obras pastorais já iniciadas, como a construção da igreja do Barracão.

Atividades pastorais no bairro do Barracão. Fonte: Arquivo paroquial.

Dom Agnelo dividia seu tempo entre Ribeirão Preto e Roma devido às sessões do Concílio. Assim, quando estava na Arquidiocese decidia as questões emergentes e deliberava sobre as seguintes ações pastorais, visto que cresciam as demandas de assistência religiosa nas comunidades que surgiam. Desse modo, em janeiro de 1963 o arcebispo desvinculou o Barracão do serviço pastoral da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, nomeando o padre diocesano Joaquim Ximenes para fazer o trabalho de formação de comunidade pois lá pretendia criar a paróquia cuja nova igreja seria a matriz. Assim, o mencionado sacerdote assumiu tal responsabilidade com direitos e deveres de vigário. Os alicerces do templo já estavam concretados e as obras continuavam.

Dom Agnelo Rossi optou por dar à paróquia que seria criada, cuja igreja se edificava, um novo padroeiro. No contexto do Concílio, a fim de homenagear o papa, ele elegeu São Pedro, conforme o relato do Pe. Conrado Sivila, missionário claretiano: esta futura matriz, [será] dedicada ao Príncipe dos Apóstolos […] (LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO Nº 1).

A escolha do padroeiro reforçou o propósito de fazer uma paróquia conforme o Concílio Vaticano II. Para melhor conhecer a realidade do bairro, o Pe. Ximenes se mudou para uma pequena casa ainda sem mobília e começou a visitar os moradores, aproximando-se da população, visto que persistia uma distância entre esta e o clero. Nessa experiência, ele compreendeu que “as visitas domiciliares […] deram-me possibilidade de conhecer de perto, e num sentido global, a mentalidade, os problemas, o nível de instrução, a vida desse povo” (LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA DE SÃO PEDRO APÓSTOLO Nº 1, p. 42v). A proposta do padre era humanizar a figura dos sacerdotes e trabalhar a consciência e a responsabilidade dos fiéis por meio de reuniões e formações.

Pe. Joaquim Ximenes, primeiro vigário da Paróquia de São Pedro Apóstolo, anos mais tarde. Fonte: Arquivo paroquial.

Por causa da extensão e da característica populacional do Barracão, nos primeiros anos da década de 1960, houve um uso político do bairro, sobretudo nos períodos eleitorais. Em 1963, ano em que a construção foi finalizada e a paróquia foi criada, problemas urgentes lá eram identificados: o lixo que se produzia sem o descarte adequado, a falta de estrutura para o tráfego na Avenida Dom Pedro I, além da precária situação da Vila Recreio – localidade adjacente ao bairro (JORNAL A TARDE, 05/07/1963). Os políticos que se candidatavam aos cargos eletivos municipais iam até lá a fim de realizar seus comícios e fazer suas campanhas. Desse modo, tangenciava-se, na imprensa, a construção da igreja e as atividades eclesiais que se progrediam.

Apesar disso, Pe. Ximenes desenvolvia seu serviço pastoral de acordo com as novas diretivas da Igreja conciliar. Pelas ruas do Barracão foi realizada a primeira via-sacra pública de Ribeirão Preto, assim como foram criados grupos para estudos bíblicos. A participação dos leigos agora era considerada mais abrangente: tomavam parte na liturgia da Palavra e dialogavam com o padre durante a homilia. Como consequência disso, a população desejou mais autonomia em sua atividade eclesial: “Os católicos é que pediram logo a criação da Paróquia e marcaram o dia de sua instalação. Na Paróquia São Pedro sempre foi assim. O povo é que é Paróquia.” (LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA DE SÃO PEDRO APÓSTOLO Nº 1, p. 44v). Tudo se organizava para o importante momento no qual o bairro passaria a ter uma expressão visível da Igreja.

Então, no dia 3 de agosto de 1963, por meio do decreto arquiepiscopal de Dom Agnelo Rossi, foi canonicamente erigida a Paróquia de São Pedro Apóstolo, que passou a ser conhecida como São Pedro do Barracão. Pe. Ximenes, na mesma data, foi nomeado seu primeiro vigário. Na manhã do dia seguinte o arcebispo foi até o bairro para a instalação da paróquia e rezou missa conforme as determinações sobre a liturgia discutidas na primeira sessão do Concílio, que posteriormente foram documentadas na constituição Sacrosanctum Concilium. As autoridades do município, no entanto, não compareceram. Ademais, por se tratar de domingo, poucos padres puderam participar, de modo que “a festa do Barracão se fez com o povo” (LIVRO TOMBO DA PARÓQUIA DE SÃO PEDRO APÓSTOLO Nº 1, p. 46v).

Pe. Ximenes voltou à Paróquia após 40 anos de sua criação e instalação, em 2003. Na foto, é o primeiro da direita para a esquerda, ao lado do então arcebispo Dom Arnaldo Ribeiro. Fonte: Arquivo paroquial.

A partir da criação da paróquia, o Barracão se projetou ainda mais na cidade. O ideal de levar a Igreja às periferias, um projeto iniciado anos antes por Dom Luís, se concretizava no contexto do Concílio Vaticano II, que insistentemente trazia o povo como elemento essencial da eclesialidade. Assim, há 60 anos, a Paróquia de São Pedro Apóstolo do Barracão, bairro cujo nome foi alterado para Ipiranga poucos anos depois após uma consulta popular, tornou-se a experiência mais notória de uma paróquia que nasceu e se desenvolveu conforme a proposta conciliar.

Bruno Paiva Meni
Arquivo Metropolitano “Dom Manuel da Silveira D’Elboux”

 

A igreja atualmente. Fonte: Comunicação da Arquidiocese de Ribeirão Preto.

 

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